Os bancos roubaram a cena ontem na bolsa. Suas
ações caíram mais do que o Ibovespa em meio à pressão para a redução do spread
bancário em um momento particular: de inadimplência elevada e interesse do
governo em fortalecer o crédito nos bancos oficiais como ferramenta adicional
para levantar a atividade econômica.
A pressão sobre o bancos escalou ontem. O ministro
da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
estiveram reunidos com dirigentes dos maiores bancos privados do país e com os
presidentes do Banco do Brasil, Aldemir Bendini, e da Caixa, Jorge Hereda. Na
pauta, as razões pelas quais o juro básico já caiu 275 pontos e os
"spreads" - diferença entre as taxas de captação e de aplicação -
cobrados pelos bancos seguem em direção oposta. Na Bovespa, as ações PN do Itaú
Unibanco recuaram 2,62%, Bradesco PN perdeu 2,15%, enquanto as units do Santander
cederam 1,76% e os papéis ON do BB caíram 1,42%.
A inadimplência geral está estabilizada em 5,8%
sobre o crédito total e o próprio Banco Central (BC) reconhece que é alta. A
inadimplência das famílias saltou de 5,7% no início de 2011 para 7,6% em
fevereiro deste ano e num cenário de pleno emprego, o que coloca o país em uma
situação de risco para os próximos anos. Caso seja necessário algum movimento
de aperto na política monetária, com reflexo recessivo na economia e perda de
emprego, é possível que o sistema financeiro enfrente uma alta bastante acentuada
dos atrasos, partindo de um patamar bastante elevado.
Ao mesmo tempo, o nível de endividamento das
famílias atingiu o pico histórico, em patamar próximo a 43% da renda acumulada
dos últimos 12 meses, também de acordo com dados do BC. A autoridade monetária
sempre argumenta que o comprometimento da renda mensal com pagamentos de
prestações de financiamentos está em patamares mais baixos, na casa dos 22%
(também recorde e com praticamente um terço disso comprometido com o pagamento
de juros), por isso a situação estaria sob controle. Tradicionalmente,
aceita-se como um índice saudável no sistema financeiro um comprometimento de
até 30% da renda mensal.
Mas vale lembrar que o Brasil tem esse nível de
comprometimento de renda mesmo sem um mercado de financiamento imobiliário
desenvolvido e após um ciclo de forte evolução do crédito com desconto em folha
de pagamento (equivalente a 58,7% do bolo de crédito pessoal), que contempla
taxas de juros menores e que joga o calote dos empréstimos às famílias para
baixo, mesmo que a trajetória recente tenha sido ascendente: 5,6% em fevereiro,
ante os 4,2% de dezembro de 2010.
Já o crédito à habitação corresponde a pouco mais
de 5% do PIB. Com a perspectiva de aumento desse índice, que deve superar os
10% nos próximos anos, sendo que boa parte disso virá do Minha Casa Minha Vida,
voltado à população de baixa renda, o cenário pode ser mesmo de elevação dos
índices de comprometimento de renda.
Os bancos reconhecem que as medidas
macroprudenciais adotadas pelo BC, as altas da taxa Selic e da inflação, o
desaquecimento da economia em 2011 e o agravamento da crise europeia levaram ao
aumento da inadimplência em todas as linhas. Mas as instituições identificaram
avanço particularmente forte da inadimplência no segmento de veículos -
modalidade de crédito estimulada pelo governo no enfrentamento da crise
financeira internacional de 2008/2009. Segundo a Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), desde dezembro de 2010 os financiamentos à aquisição de automóveis
ganharam peso na composição da inadimplência total de pessoas físicas - foram 9
pontos percentuais.
Em relatório, a Febraban pondera que essa
inadimplência provavelmente tem relação com o forte crescimento das operações
de prazos mais longos, acima de 60 meses, que ocorreu na esteira da crise
financeira global e a partir dos estímulos ao setor que também contou com
"alguma facilitação nas aprovações dos empréstimos pelos bancos".
As operações com esse prazo, que representavam
menos de 20% do total em 2008, tiveram forte expansão e superaram 50% ao fim de
2010, quando o BC adotou as medidas macroprudenciais visando moderar o ritmo de
expansão e melhorar a qualidade do crédito. O BC elevou, em dezembro de 2010, o
requerimento de capital das instituições financeiras para operações de crédito
de pessoas físicas com prazos mais longos, o que atingiu sobretudo o
financiamento de veículos.
Esse alongamento dos prazos de concessão e as
condições econômicas mais adversas dificultaram o pagamento, gerando aumento
dos atrasos e da inadimplência, resultando também em maior seletividade na
avaliação dos empréstimos e moderação do ritmo de novas concessões nesse
segmento.
A Febraban considera que as medidas devem ter
alterado a dinâmica do prazo das concessões, mas não há dados recentes. É
possível, porém, observar melhora nos indicadores de crédito em veículos com
pagamentos em atraso de 15 a 90 dias, excluindo efeitos sazonais de início de ano.
Mas essas evidências não estão sendo refletidas, por ora, nos dados de
inadimplência, o que deve ocorrer mais efetivamente após o período desfavorável
de acúmulo de contas - rotineiro no começo de cada ano.
De todo modo, até que o quadro se normalize, a
Febraban ressalta que esses empréstimos têm garantias mais sólidas. O valor
financiado no segmento de veículos, por exemplo, representava de 80% a 90% da
garantia nas operações acima de quatro anos, cerca de 70% nas de três a quatro
anos e entre 50% e 60% nas operações de até três anos. O problema é que mesmo
que o banco ou financeira retome o veículo quando há atraso nas prestações, a
depreciação do bem ao longo do tempo não cobre integralmente o valor
financiado. A diferença acaba virando perda efetiva para as instituições.
Outra linha em que a inadimplência saltou foi a do
financiamento de outros bens, caso do crédito gerado nas redes de varejo para
compra de eletroeletrônicos e outros bens, por exemplo - taxa que saiu de 8,8%
em dezembro de 2010 para 13,6% em fevereiro. De nada vale acionar esse tipo de
"garantia", pois não há um mercado secundário para geladeiras,
fogões, televisores, etc.
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